O activista e líder da organização Friends of Angola, Florindo Chivicute, fez duras críticas à proposta do Executivo angolano para a reforma da Lei Eleitoral, alertando que, se aprovada, poderá representar “um retrocesso de 100 anos para a democracia” no país.
Chivicute, que analisava os factos da semana, na emissora Católica de Angola, defendeu uma Comissão Nacional Eleitoral, CNE, independente, transparente e imparcial, alertando para os riscos de manipulação e opacidade no processo democrático.
“A proposta do MPLA é um insulto à inteligência dos angolanos, ela representa um modelo que nos remete aos tempos do apartheid e das leis de Jim Crow nos Estados Unidos, onde parte da população era deliberadamente excluída do processo eleitoral”, afirmou.
Uma CNE verdadeiramente independente
Florindo Chivicute, avança ainda que, o principal desafio das eleições em Angola não está apenas na liderança da CNE, mas em todo o processo: desde o acesso aos cadernos eleitorais até à publicação dos resultados. Para o ativista, a transparência passa pela manutenção da ata síntese, instrumento que permite aos eleitores acompanhar e fiscalizar o resultado do seu voto a nível local.
“A proposta do Executivo pretende eliminar as actas sínteses, isso destrói a única ferramenta real que o cidadão comum tem para verificar os resultados. Se isso for aprovado, os resultados deixarão de refletir a vontade do povo e passarão a ser decididos numa sala fechada por uma elite”, disse.
Estudo comparativo revela riscos da proposta
Para Chivicute, a Friends of Angola realizou um estudo comparativo entre as propostas da sociedade civil, da UNITA e do MPLA, concluindo que a proposta do partido no poder é, na sua totalidade, prejudicial ao processo democrático. “Ela não contém elementos positivos, é uma proposta que deve ser rejeitada integralmente”.
O activista mostrou-se particularmente preocupado com a proposta de exigir documentos como o Bilhete de Identidade para o registo eleitoral, medida que, segundo ele, poderá excluir uma parte significativa da população angolana, “estamos a falar de milhões de angolanos que não têm acesso a esse documento. É uma discriminação velada.”
Justiça e crise humanitária
Chivicute não poupou críticas ao Tribunal Constitucional, que considera ter perdido a sua imparcialidade, sobretudo após a polémica decisão de validar os resultados das últimas eleições sem transparência. “Hoje, o poder judicial está comprometido, assim como o legislativo. Infelizmente, ainda não conseguimos sair da lógica de um sistema centralizado herdado do comunismo.”
Sobre a crise social e humanitária em Angola, Chivicute descreveu a situação como “devastadora”, com a fome e a pobreza a alastrarem-se por quase todas as províncias. Para ele, a culpa está na má gestão e na falta de definição de prioridades por parte do Executivo.
“O Governo angolano prefere comprar carros de luxo para altos funcionários, enquanto crianças andam a remexer no lixo em busca de comida. Isso é um reflexo da ausência de políticas públicas eficazes e do desrespeito pelo sofrimento do povo”, criticou.
Um apelo ao Presidente
A entrevista terminou com um apelo direto ao Presidente João Lourenço. “Ainda há tempo para corrigir o rumo. Faltam dois anos para o fim do mandato, e é possível mudar o curso se houver vontade política e honestidade. O país não precisa de tinta nova sobre velhos problemas; precisa de soluções reais.”
Chivicute, salienta ainda que, o povo está a falar, e o chefe do Executivo deve escutar, “se o povo é o chefe, como o próprio Presidente afirmou, então está na hora de ouvir o chefe.”
Florindo Chivicute é fundador e diretor executivo da organização Friends of Angola, que atua na promoção da democracia, direitos humanos e boa governação em Angola.