Num momento de tensão social crescente, o presidente do Movimento dos Estudantes Angolanos, MEA, Francisco Teixeira, protagonizou recentemente um um discurso incisivo durante o encerramento de um encontro com a juventude na Casa da Juventude, em Viana.
O dirigente acusou o Estado angolano de manter o povo em condições de pobreza extrema apesar das vastas riquezas do país e convocou a juventude a recusar a resignação.
“Nós não somos felizes. E nós vamos continuar a lutar com muita coragem, muita determinação”, declarou, em tom combativo, sob fortes aplausos de dezenas de jovens que participaram do evento.
Teixeira acusou o governo de repressão sistemática contra quem se opõe ao status quo: prisões arbitrárias, raptos e violência contra ativistas. “Isso custa o que custar. Prendem, raptam, matam. Mas nós vamos mudar o rumo dessa história, como outras gerações já mudaram”, afirmou.
“Recusar a pobreza num país rico”
O líder do MEA classificou como “inaceitável” o contraste entre a riqueza natural de Angola e as condições de vida da maioria da população. “Angola tem petróleo, diamantes, ferro, areia. Essa riqueza não é de um grupo, é de todos nós”, frisou. Teixeira usou a metáfora da “bicicleta ao iatis” numa escada de desigualdade social para ilustrar a distância crescente entre a elite e o povo.
“Não é no termo bicicleta. Quero dizer que antes de chegar em ‘iatis’ (carros topo de gama), você passa pela bicicleta, motorizada, carro, autocarro. Quer dizer, nós estamos muito longe”, ironizou.
Além das críticas ao modelo de distribuição de riqueza, o discurso tocou em temas como o custo da educação, a precariedade nas escolas e a exclusão estudantil. “Estamos a viver subidas de propinas, reprovações injustas, falta de carteiras. E ninguém resolve. Vamos voltar à rua, porque a rua é o nosso último reduto”, prometeu.
Cultura como resistência
Teixeira também anunciou a realização de um novo encontro dentro de duas semanas, centrado na cultura como motor de transformação. O humorista Gilmário Vemba e o rapper MCK são os convidados principais.
“Gilmario Vemba e MCK estarão connosco para discutir o papel da cultura na luta social. Porque a cultura também é resistência”, explicou.
Ambos são vozes conhecidas por abordarem questões sociais em suas obras, MCK com letras de forte teor político e Vemba com sátiras que tocam nas feridas sociais do país.
A juventude como força histórica
Relembrando o passado de luta contra o colonialismo, Teixeira traçou um paralelo entre a repressão do presente e a do passado, defendendo que a juventude deve honrar o legado de coragem deixado pelas gerações anteriores.
“O colono também prendia, matava, agredia. Mas não conseguiram impedir a mudança. Hoje é igual. A repressão continua, mas também continua a nossa resistência”, sublinhou.
Para o presidente do MEA, a juventude deve manter-se organizada, disciplinada e unida. “Seremos capazes, senhora!”, gritou, arrancando um coro de “seremos!” da plateia.
O discurso terminou com um apelo à luta contínua e à rejeição da normalização da miséria. “Recusamos viver pobres num país rico, nós só temos a nossa vida, e ela não está à venda, vamos resistir, vamos lutar. Obrigado”, concluiu.
De recordar que o MEA tem sido uma das vozes mais activas na denúncia das dificuldades enfrentadas pelos estudantes em Angola. As manifestações organizadas pelo movimento nos últimos anos foram frequentemente reprimidas pelas forças de segurança, com relatos de detenções e intimidações. Ainda assim, o movimento mantém sua base mobilizada, especialmente nas zonas urbanas periféricas, onde o descontentamento cresce a cada dia