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‎Juiz extrapolou limites legais ao suspender greve dos jornalistas defende o jurista Sebastião Milton

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A recente decisão do tribunal de suspender a greve dos jornalistas dos órgãos públicos de Angola está a gerar uma onda de críticas no meio jurídico e sindical, com destaque para a análise feita pelo jurista Sebastião Milton, que considera a medida judicial “excessiva”, “inconstitucional” e atentatório aos direitos fundamentais dos trabalhadores da comunicação social.

‎A providência cautelar intentada pelos conselhos de administração da Televisão Pública de Angola (TPA), TV Zimbo e demais órgãos públicos resultou numa decisão judicial que, para Milton, vai muito além do que a lei permite. O juiz, ao decretar a suspensão da greve com base na não definição de serviços mínimos, introduziu uma interpretação extensiva da Lei da Greve que, para o jurista, “não encontra respaldo nem na Constituição nem na própria legislação ordinária”.

‎“Não há qualquer norma legal que preveja a comunicação social como um serviço mínimo essencial, ao contrário de sectores como a saúde, a segurança ou os transportes”, afirma o jurista, sustentando ainda que, a decisão viola o artigo 57.º da Constituição, que estabelece que os direitos fundamentais, como o direito à greve, só podem ser limitados por lei e de forma expressa, nunca por analogia ou presunção interpretativa. “O juiz criou, por via de decisão, uma nova norma. Isto é inadmissível num Estado de Direito”, frisou.

‎Milton também alerta para o precedente jurídico perigoso que se abre com esta interpretação. Ao considerar a comunicação social como um serviço mínimo obrigatório, mesmo sem base legal, o tribunal interfere diretamente na autonomia sindical e fragiliza o direito à negociação coletiva. Isso, segundo o jurista, contraria as convenções internacionais das quais Angola é signatária, incluindo a Convenção n.º 87 da OIT, sobre liberdade sindical, e a Convenção n.º 98, sobre negociação coletiva.

‎Outro ponto sensível levantado por Sebastião Milton é o aparente conflito de direitos fundamentais que a decisão judicial tenta resolver: de um lado, o direito dos jornalistas à greve e, do outro, o direito dos cidadãos a serem informados. Contudo, o jurista argumenta que esse conflito só poderia ser dirimido pelo Tribunal Constitucional e não por um tribunal comum. “Há colisão de direitos, sim, mas quem tem competência para julgar sobre isso é o Tribunal Constitucional. O juiz comum não pode substituir o legislador nem o Tribunal Constitucional.”

‎A decisão judicial, ao declarar a greve ilegal e validar unilateralmente os argumentos patronais, foi classificada por Milton como “ultrapetita”, ou seja, excedeu o pedido formulado no processo, e com isso, neutralizou por completo a greve como instrumento legítimo de reivindicação dos jornalistas, cujo caderno reivindicativo se baseia, sobretudo, em reivindicações salariais e condições de trabalho que tocam directamente na dignidade dos profissionais.

Sebastião Milton, sublinha ainda que, o salário é o eixo em torno do qual gravitam outros direitos fundamentais; “como o direito à habitação, à educação e à saúde, sendo por isso legítima a reivindicação dos jornalistas”. O jurista lembra que o Ministério da Comunicação Social, entidade de tutela, falhou ao não resolver o diferendo antes da deflagração da greve, optando por recorrer aos tribunais como primeira resposta.

‎Mesmo diante de uma decisão judicial considerada desproporcional, Sebastião Milton defende que o sindicato agiu corretamente ao suspender temporariamente a greve, pois desobedecer à decisão do tribunal, mesmo que considerada errada, seria pôr em causa o próprio Estado de Direito. O caminho, segundo ele, passa por contestar a decisão pelas vias legais, nomeadamente através de um recurso ao Tribunal Constitucional e da apresentação de queixas junto a instâncias internacionais, como o Comité de Liberdade Sindical da OIT.

‎“Estamos perante uma clara violação de princípios constitucionais e convenções internacionais que protegem o direito à greve, à organização sindical e à negociação coletiva. A resposta deve ser institucional, jurídica e diplomática, não desafiando frontalmente o poder judicial, mas sim demonstrando juridicamente o erro da decisão”, conclui.

‎Para Milton, a decisão do juiz criou uma limitação ilegal e desproporcional ao direito à greve, corroendo as bases da luta sindical e abrindo caminho para novas ingerências sobre direitos já consolidados. Um alerta para o país, num momento em que se exige maior respeito pela Constituição, pelo pluralismo e pelo Estado Democrático de Direito.

De recordar que as declarações foram feito durante o programa a voz do Jornalista, que é imitida em todas as quarta feira, na emissora Católica de Angola, Rádio Eclésia.

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