A terra, silenciosa e fértil, não exige títulos. Não requer certificados, nem reconhece fronteiras burocráticas, apenas pede mãos dispostas a trabalhar, a sentir seu pulsar e transformar suor em sustento.
A lavra da minha mãe não é apenas um campo cultivado, é a última fortaleza de dignidade num mundo onde a frieza dos gabinetes decide quem pode sonhar e quem deve sucumbir à desesperança.
Entre os sulcos da terra, ela é mestra sem paredes, médica sem jaleco, sua sabedoria ancestral atravessa gerações e desafia a lógica da certificação institucional.
No instante em que uma mulher sente a dor do parto, a aflição do mundo carnal, minha mãe está lá. Sem bisturis reluzentes, sem prescrições ininteligíveis, apenas com suas mãos, seu instinto e sua entrega. O nascimento não espera burocracia; a vida não aguarda autorizações.
Seus pés pisam firme sobre um chão que ensina. A enxada da minha mãe não apenas corta a terra, mas desenha destinos, cada golpe contra o solo é um manifesto de humildade e resistência, uma aula diária que nenhum doutorado pode oferecer, enquanto os gabinetes fingem formar cidadãos, mas deformam consciências, ela cultiva verdade, sem precisar da validação de papéis que apenas registram números, não histórias.
Nos hospitais, onde a cura deveria ser a prioridade, os corredores se tornam salas de negócios ilícitos. Mensagens trocadas às escondidas substituem o juramento que deveria guiar médicos e enfermeiros. Vidas se perdem não pela força da doença, mas pela negligência daqueles que escolheram sua profissão pelo prestígio, não pela vocação. A lavra da minha mãe, em sua simplicidade, recusa essa lógica perversa: ali, ninguém é escolhido pela cor da pele, pela fé que professa ou pela posição social que ocupa. Quem tem fome, come. Quem precisa, recebe.
Quem busca vida, encontra.
Nos escritórios, o conhecimento genuíno não é bem-vindo. A comunicação assertiva se torna subversiva. Aprova-se o estudante que repete frases sem sentido, mas reprova-se quem ousa questionar. E assim, se matam sonhos. Se destroem futuros. Se condenam mentes brilhantes a um silêncio forçado, enquanto a mediocridade é celebrada como excelência.
Mas há uma verdade que os papéis oficiais não podem apagar: a justiça da terra é implacável. Não se curva a sistemas falhos, não se vende por promessas vazias.
A lavra da minha mãe não conhece fronteiras, não escolhe a quem servir. Alimenta até os corações endurecidos, aqueles que a sociedade já descartou. Enquanto os gabinetes decidem quem merece sobreviver, ela simplesmente faz o que sempre fez: dá vida, sustenta esperanças, prova que o verdadeiro poder está naqueles que trabalham com honestidade e amor.
Que continuemos queimando a lavra subterrânea da indiferença. Que sigamos semeando o que realmente importa. Porque, no fim, os gabinetes poderão até decretar o fim dos nossos sonhos, mas jamais poderão arrancá-los das nossas raízes.