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Luanda em ruínas com cicatrizes visíveis e invisíveis do vandalismo urbano

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As ruas de Luanda, recentemente marcadas por tumultos, saques e destruição, agora também carregam o silêncio pesado do medo e da incerteza. 

‎Para além das fachadas quebradas e vitrinas estilhaçadas, o que se impôs foi algo muito mais profundo, a fragilidade do tecido social, a angústia de uma juventude sem perspectivas e o colapso de pequenos pilares da economia urbana, os atos de vandalismo ocorridos não são apenas crimes contra o patrimônio, são também um reflexo do desespero, e, paradoxalmente, uma ameaça ao futuro que muitos desses jovens dizem lutar por construir.

‎Juventude em rota de colisão com o futuro

‎A participação massiva de jovens nos confrontos levanta questões urgentes sobre o papel da juventude angolana no presente e no futuro do país. Muitos desses jovens foram detidos, fichados criminalmente e agora enfrentam um labirinto jurídico e social que poderá marcar o resto de suas vidas. A criminalização é apenas a primeira consequência. Mais silenciosa, porém devastadora, é a exclusão sistemática que se segue: portas que se fecham no mercado de trabalho, universidades que hesitam em aceitar estudantes com histórico de envolvimento em distúrbios, famílias que não sabem mais como proteger seus filhos da marginalização iminente.

‎Empresas e empregadores, por vezes reféns do preconceito e da cautela, evitam associar-se a quem participou de tumultos. Isso gera um ciclo vicioso: o jovem é empurrado para a informalidade, para a precariedade, para a raiva. A longo prazo, essa exclusão alimenta mais instabilidade, mais revolta, e novamente, mais violência.

‎O impacto não é apenas individual. A imagem da juventude como um todo passa a ser associada ao caos. O preconceito coletivo que se instala compromete políticas públicas voltadas à inclusão juvenil e amplia o abismo entre gerações. A juventude deixa de ser vista como força transformadora e passa a ser temida como agente de perturbação. Isso é devastador para qualquer sociedade.

‎Economia ferida: Do pequeno comércio à confiança nacional

‎No epicentro da crise estão os pequenos e médios negócios locais em verdadeiras âncoras econômicas dos bairros. Em Luanda, lojas como a Tecno, supermercados como o Fresmart e diversas peixarias foram saqueadas ou destruídas. O prejuízo ultrapassa os bens materiais: são empregos perdidos, contratos cancelados, estoques aniquilados, e empresários que cogitam não mais reabrir.

‎Para muitos trabalhadores informais e pequenos fornecedores, a falência desses estabelecimentos significa o fim da única fonte de sustento. Não se trata apenas de perdas comerciais: trata-se de famílias inteiras empurradas de volta à pobreza extrema.

‎O desemprego, já elevado em Angola, tende a disparar ainda mais. A informalidade, por sua vez, torna-se a única alternativa para milhares. Isso amplia a desigualdade, compromete a arrecadação de impostos e desestrutura ainda mais uma economia que já opera sob tensão constante.

‎Além disso, há o impacto psicológico: o medo. Comerciantes evitam investir, consumidores evitam sair de casa, investidores internacionais repensam suas apostas. Os bairros antes movimentados agora vivem entre grades, câmeras e desconfiança. A insegurança corrói não apenas o convívio social, mas também a esperança de desenvolvimento.

‎A perda simbólica: Quando a violência destrói a legitimidade das causas

‎Talvez o impacto mais grave e menos visível seja o simbólico. A violência, ainda que nasça de uma causa justa, tem o poder de esvaziar sua legitimidade aos olhos da população. A indignação colectiva  que poderia ser canalizada para mobilizações cívicas e pressões institucionais qu se desfaz diante da destruição gratuita.

‎A luta por direitos, quando associada à depredação, perde aliados. O debate se esvazia e dá lugar à polarização, à repressão e ao descrédito. Em vez de abrir caminhos, a violência ergue muros. As causas são sufocadas pelos seus próprios excessos.

‎O que fazer diante das ruínas?

‎A resposta a essa crise precisa ser mais do que repressiva. Embora seja necessário manter a ordem, é igualmente urgente entender o porquê da revolta. Jovens não se lançam ao vandalismo por vocação, mas por frustração acumulada, por ausência de canais legítimos de expressão, por não vislumbrarem futuro.

‎É imperativo investir em políticas públicas que priorizem educação de qualidade, oportunidades reais de emprego, acesso à cultura e ao diálogo cívico. O Estado precisa mostrar-se presente antes da crise e não apenas depois, com sirenes e repressão.

‎Do outro lado, a sociedade civil também deve refletir sobre suas responsabilidades. O silêncio diante da exclusão social, a indiferença frente ao desemprego juvenil e a falta de empatia com os que vivem nas margens contribuem, mesmo que indiretamente, para o cenário que hoje se lamenta.

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