Em Angola, o debate sobre a ineficiência das empresas públicas e o papel do Estado na economia ganha contornos cada vez mais urgentes, em debate transmitida pela rádio Despertar, especialistas e figuras da sociedade civil expressaram duras críticas à forma como as empresas estatais têm sido geridas e defenderam uma viragem estratégica.
Para os participantes do debate, a privatização parcial e bem estruturada das mesmas, acompanhada de uma profunda reforma institucional.
A ideia central da proposta apresentada é clara e não há solução mágica para o fracasso reiterado das empresas públicas. O ponto de partida seria uma privatização parcial de 33% de cada empresa, com 10% desse valor a ser colocado em bolsas estrangeiras, de modo a atrair investidores institucionais internacionais, impor maior rigor na gestão, promover a transparência e incentivar a adopção de boas práticas de governação corporativa. Essa abordagem é vista como um “choque de realidade” para empresas que operam sob monopólios estatais e sem pressão competitiva.
“Ainda não há um mercado robusto em Angola. As coisas são muito confusas. Precisamos de atrair investidores estrangeiros e mudar as práticas de dentro para fora”, afirmou um dos intervenientes.
Crítica às Estruturas Estatais: IGAPE e IGAE na Mira
Boa parte da discussão recaiu sobre a eficácia das instituições criadas para supervisionar o sector empresarial público. O IGAPE (Instituto de Gestão de Activos e Participações do Estado) e a IGAE (Inspecção Geral da Administração do Estado) foram duramente criticados. Para muitos analistas presentes, essas entidades tornaram-se símbolos de ineficiência, consumindo recursos públicos sem produzir resultados palpáveis.
“O IGAPE é uma invenção para garantir que ninguém seja responsabilizado. Não se sabe se o responsável pelo descalabro das empresas públicas é o IGAPE, o Ministério das Finanças, o Ministério da tutela ou o Presidente da República. No final, ninguém responde por nada”, criticam.
A proposta mais contundente foi a extinção do IGAPE, considerada por muitos uma estrutura redundante que apenas serve para acomodar quadros partidários. Essa crítica expõe uma fragilidade estrutural profunda do aparelho do Estado, onde a proliferação de órgãos, com nomes pomposos mas sem eficácia, apenas dilui responsabilidades e perpetua a impunidade.
O Problema da Fiscalização Todos Mandam, Ninguém é Responsável
Outro ponto central foi a crítica ao modelo de fiscalização actual. Os intervenientes defenderam uma reforma urgente que passe pelo fortalecimento das instituições de controlo, como o Tribunal de Contas e os organismos de auditoria independente, com base em normas internacionais de contabilidade e transparência.
“As fiscalizações que temos hoje são meramente decorativas. Precisamos de auditores independentes, com poderes reais e técnicas modernas, e não de estruturas partidárias disfarçadas de órgãos públicos”, afirmou um dos convidados.
Indiferença Social e a Falência Moral do Estado
O debate não ficou apenas na esfera económica. Vários participantes alertaram para a profunda crise ética e social que atravessa Angola, denunciando o aumento da pobreza extrema, o abandono de populações vulneráveis e a crescente indiferença do Estado perante o sofrimento humano.
“Temos jovens a viver nas ruas, mulheres com filhos recém-nascidos misturadas com toxicodependentes. E o pior é que isto não é visto como um problema. A indiferença é o maior sinal da nossa falência como sociedade”, denunciou um dos intervenientes.
O papel da Igreja também foi chamado à atenção, sendo apontado como cúmplice silencioso ao não assumir uma posição mais ativa em defesa da dignidade humana. A crítica estendeu-se à própria elite política e religiosa, acusada de acomodação e conivência com a desordem institucional.
O Financiamento dos Partidos Políticos em Angola é um Tabu Nacional
Analistas em um debate da rádio Despertar, questionaram a origem dos recursos financeiros utilizados por partidos políticos, sobretudo em períodos não eleitorais, em que se nota a circulação de materiais de propaganda em grande escala – camisolas, bandeiras, bonés – enquanto os serviços públicos básicos permanecem em colapso.
“Como é possível haver dinheiro para milhares de t-shirts com o rosto de líderes políticos, quando faltam medicamentos nos hospitais e milhares de crianças continuam fora do sistema de ensino?”, questionou Frei Hangalo.
A legislação angolana permite que partidos sejam financiados por subvenções do Estado, contribuições de membros e doações privadas, mas proíbe apoio estrangeiro directo. No entanto, a fiscalização sobre esses fundos é quase inexistente, abrindo margem para suspeitas de corrupção, desvio de fundos públicos e lavagem de dinheiro através dos partidos.
“Partidos políticos não deveriam ser financiados pelo Estado. Quem acredita numa ideia deve sustentá-la. O Estado deve servir o povo, não os partidos”, defendeu Frei Joaquim Hangalo, encerrando o debate com uma chamada à consciência cívica.