Análise de Albino Pakissi na Rádio Ecclésia expõe falhas graves na gestão da alimentação escolar em Angola
Na sua mais recente participação na Rádio Ecclésia, o filósofo e comentador social Albino Pakissi fez uma análise contundente sobre a estagnação do Programa Nacional de Alimentação Escolar, questionando diretamente as prioridades do Estado angolano. “A pergunta é simples: queremos ou não alimentar as nossas crianças?”, lançou Pakissi, num discurso marcado por indignação, dados concretos e apelos urgentes à responsabilidade governativa.
O programa, que pretendia assegurar alimentação escolar a 5,4 milhões de crianças em todo o país, estava orçado em 450 mil milhões de kwanzas. No entanto, essa verba nunca foi plenamente assegurada. “Percebeu-se que 450 mil milhões era muito dinheiro e o Estado não tem essa capacidade. Vai-se estudar, vai-se refazer o processo”, explicou. A ideia inicial previa uma refeição avaliada em 376 kwanzas por prato. Hoje, o plano está paralisado — e pior, sem previsão de arranque.
Pakissi denunciou a contradição gritante entre os investimentos públicos noutras áreas e o quase total abandono da merenda escolar. Citou, por exemplo, a recente aprovação de 13,6 milhões de dólares para a nova fase do campo 11 de Novembro, os 10 milhões de kwanzas e um ano de internet gratuita oferecidos pela UNITEL à selecção nacional, novas viaturas para o SIC, 80 milhões de kwanzas entregues a cada jogador da selecção nacional e, ainda, os mais de 6,5 milhões de dólares garantidos num acordo bilateral com os EUA. Enquanto isso, diz, “recebi uma mensagem há pouco: não temos alimentação para as escolas”.
Ainda mais chocante, o filósofo avança ainda que, “é o facto de que da verba reservada para a área social, com cerca de 236 mil milhões de kwanzas, apenas 1% foi executado até à data, enquanto a Defesa Nacional executou 79% da sua dotação em apenas seis meses. “Somos um país securitário. Tudo bem. Mas, então, o que queremos realmente?”.
A crítica estende-se à composição e à actuação do próprio Executivo. “Quem auxilia o Presidente tem que dizer: senhor Presidente, alimentar as crianças é prioridade. A ministra do Estado para o sector social devia estar no terreno, devia relatar ao Presidente, não apenas esperar relatórios fechada no gabinete”, disparou, referindo-se directamente à ministra Dalva Ringote.
Pakissi também questionou a legitimidade e sensibilidade das figuras que lideram as políticas sociais. “Eu tenho dúvidas se a ministra da área social entende o que é pobreza. Tenho dúvidas”, afirmou. Defendeu que esta pasta deveria ser entregue a alguém com experiência concreta no combate à pobreza, como Sérgio Sumbula ou Fernando Pacheco, da ADRA.
Para além das críticas, o filósofo apresentou sugestões de soluções imediatas. A principal: estabelecimento de prioridades no Orçamento Geral do Estado. Segundo ele, com organização, o programa pode ser retomado. “Mesmo que os pais tivessem que contribuir com mil kwanzas por mês — o que já seria difícil para quem ganha menos de 20 mil e tem quatro ou cinco filhos — o Estado teria que ser o primeiro a garantir as condições.”
A crítica mais profunda, porém, reside no abandono de princípios básicos de justiça social por parte de quem toma decisões. “Os filhos dos dirigentes não estudam em escolas públicas. Têm alimentação condigna nos seus colégios privados. O povo, este, está entregue à miséria”, lamentou. E completou: “Essas crianças são o futuro do país. Se não as alimentarmos, não estudam, não se desenvolvem, não teremos país”.
Numa análise que mistura ética, política e economia, Pakissi expõe um Estado que, apesar de recursos e discursos, não tem colocado as crianças entre as suas prioridades. “O problema da fome não se resolve no palácio, com ar condicionado e gravata. Resolve-se com quem entende o que é não ter nada no prato. A pergunta permanece: queremos ou não alimentar as nossas crianças?” — concluiu.