No início desta semana, Angola viveu momentos de tensão e incerteza, quando uma série de tumultos, causando mortes e actos de vandalismo atingiram vários pontos da capital, em cerca de 48 horas, estabelecimentos comerciais foram saqueados, infraestruturas públicas vandalizadas e intimidações a cidadãos comuns, marcando um cenário caótico que trouxe de volta imagens que muitos angolanos julgavam pertencer ao passado, em função da greve dos taxistas em Luanda.
O Presidente da República, João Lourenço, pronunciou-se nesta sexta-feira, 01 de Agosto, em tom firme e crítico, condenando os actos como criminosos e premeditados, e apontando para uma suposta coordenação nacional e internacional por detrás dos acontecimentos. O pronunciamento do chefe de Estado evidencia não apenas a gravidade dos factos, mas a dimensão política e social da crise, num momento em que o país se prepara para celebrar os 50 anos da sua independência.
“O que assistimos não foi uma manifestação pacífica nem uma greve legal. Foram actos de sabotagem e violência protagonizados por indivíduos manipulados e sem compromisso com o bem-estar do país”, afirmou o Presidente.
Embora tenha reconhecido que a greve, a manifestação e o protesto constituem direitos constitucionalmente consagrados, João Lourenço destacou que tais direitos perdem a sua legitimidade quando são instrumentalizados para fins destrutivos. “Não houve apenas paralisação. Houve pilhagem, coacção, destruição de património e ameaças a cidadãos que apenas queriam exercer o seu direito de circular e trabalhar.”
Manipulação e redes sociais: o novo campo de batalha
O pronunciamento oficial revela uma crescente preocupação com o uso das redes sociais como instrumento de mobilização para acções violentas. O Executivo acusou organizações anti-patrióticas, tanto internas quanto estrangeiras, de promoverem instabilidade por meio da desinformação digital e do incitamento à violência.
Este episódio lança luz sobre uma nova realidade: o impacto das plataformas digitais no tecido social angolano, particularmente entre os jovens. Num contexto de altas taxas de desemprego juvenil e frustrações acumuladas, as redes sociais tornam-se terreno fértil para discursos radicais e ações precipitadas.
“A educação dos nossos filhos não pode ser delegada às redes sociais. Ela pertence à família, à escola, às igrejas e à comunidade”, advertiu o Presidente.
As feridas deixadas pelos tumultos são lutos, perdas e medo
Os distúrbios deixaram um rastro de destruição difícil de calcular em números, mas sentido profundamente no quotidiano das comunidades afetadas. A morte de cidadãos, os ferimentos e o encerramento de dezenas de pequenos e médios estabelecimentos — muitos dos quais representam o sustento direto de famílias inteiras — trouxeram consequências imediatas, como o aumento do desemprego e a escassez temporária de bens essenciais.
A resposta do Governo incluiu o anúncio de um pacote de apoio emergencial que será aprovado na próxima segunda-feira. O objetivo é claro: ajudar as empresas atingidas a repor os seus estoques e preservar os postos de trabalho ameaçados. O gesto, ainda que necessário, levanta a questão: como prevenir futuras ondas de violência com raízes tão profundas?
Uma sociedade em reconstrução
Vinte e três anos após o fim do conflito armado, Angola continua em processo de reconstrução e desenvolvimento. O Governo tem apostado em obras de grande envergadura, como barragens, infraestruturas rodoviárias, aeroportuárias e de distribuição de água e energia, especialmente no sul do país — regiões como Cunene, Huíla e Namibe, severamente atingidas pelos efeitos das secas prolongadas.
O Executivo também destaca a contratação de milhares de profissionais da saúde e da educação, a ampliação da formação técnica e o incentivo ao auto-emprego como estratégias para enfrentar o desemprego estrutural. No entanto, como os recentes episódios demonstraram, ainda há um fosso significativo entre o esforço governamental e as expectativas da população jovem, que anseia por oportunidades concretas e imediatas.
“O Estado não pode ser o único empregador. Contamos com o sector privado, cooperativo e com os empreendedores individuais, que também têm desempenhado um papel importante na criação de empregos”, declarou João Lourenço.
Ruptura ou renovação?
Para além do combate aos actos criminosos, o que está em jogo é a capacidade do país de enfrentar os seus próprios desafios sociais e políticos com coesão, maturidade e visão estratégica. A retórica presidencial reforça a ideia de que a instabilidade não será tolerada, mas também convida a uma reflexão mais ampla sobre os mecanismos de escuta, representação e inclusão social.
A crise revela, em última análise, que Angola vive um momento decisivo: ou se fortalece o pacto social entre governo, sociedade civil e juventude, ou se corre o risco de uma radicalização progressiva, onde o protesto legítimo se confunde com a violência gratuita e manipulada.
O que nos dizem os tumultos de Luanda?
O episódio desta semana funcionou como um alerta duro e inegável. Mostrou que, embora os investimentos em infraestrutura e políticas públicas estejam em curso, a pacificação social não depende apenas da presença de obras ou de discursos oficiais. Ela exige justiça, escuta activa, diálogo social contínuo e políticas de inclusão verdadeiramente eficazes.
O Executivo reagiu com firmeza, prometeu apoio e reafirmou seu compromisso com o desenvolvimento. Mas o desafio agora é mais profundo: reconstruir a confiança, reestabelecer a esperança e garantir que o caminho para o futuro seja trilhado com justiça, diálogo e paz.
“Quem quer que tenha orquestrado esta acção criminosa saiu derrotado. Mas deixou-nos uma lição: precisamos estar mais atentos, mais unidos e mais preparados para defender o nosso país, não apenas com armas, mas com educação, trabalho, e um espírito de cidadania ativa e responsável.”