No momento em que Angola celebra os 50 anos da sua Independência Nacional e 23 anos de paz ininterrupta, a UNITA, maior partido da oposição, alerta para aquilo que considera uma “grave crise de legitimidade democrática” e um “alarmante retrocesso nas conquistas do Estado de Direito”.
As críticas constam de um comunicado divulgado nesta quarta-feira, 16 de Julho, após uma sessão extraordinária do Comité Permanente da Comissão Política do partido, realizada em Luanda.
Segundo o documento, o país vive hoje uma situação política, económica e social profundamente deteriorada, marcada por práticas autoritárias, repressão policial e exclusão sistemática de actores políticos e sociais fora da órbita do poder.
Repressão e violação de direitos fundamentais
A UNITA manifesta particular preocupação com os acontecimentos dos dias 12 e 15 de Julho de 2025, em que manifestantes foram reprimidos pela polícia enquanto exerciam o seu direito constitucional à reunião e à manifestação. A força política acusa o Executivo de usar “força policial desproporcional” para conter vozes dissonantes, violando, de forma sistemática, os direitos, liberdades e garantias consagrados na Constituição da República de Angola.
“Estes atos são incompatíveis com o Estado Democrático de Direito e revelam uma tendência preocupante para a criminalização do protesto e da crítica pública”, sublinha o comunicado, que expressa solidariedade para com todas as vítimas da ação policial e exige que os órgãos competentes se abstenham de práticas repressivas, promovendo uma cultura política republicana.
Exclusão mediática e gestão de recursos em ambiente de crise
Num tom igualmente crítico, o Comité Permanente da UNITA condena o que classifica como a “utilização propagandística” das comemorações dos 50 anos da Independência, acusando o Executivo de promover eventos internacionais com exclusão deliberada dos meios de comunicação social privados. Para o partido, essa postura revela não apenas um défice democrático, mas também um desrespeito pelas liberdades de imprensa e pelo princípio da pluralidade de vozes.
“Enquanto o povo enfrenta a fome, o desemprego e a miséria, o Governo opta por esbanjar recursos públicos em eventos que não respondem às reais necessidades do país”, aponta o documento, numa crítica clara à gestão económica e às prioridades políticas do Executivo.
CNE e credibilidade eleitoral em xeque
A composição da Comissão Nacional Eleitoral (CNE) volta a ser alvo de forte contestação. A UNITA reafirma o seu repúdio à actual formação do órgão, argumentando que a mesma não reflecte a vontade popular expressa nas eleições de 2022, nem os princípios de transparência e independência adoptados por organizações regionais como a SADC.
O partido reitera a sua defesa por uma CNE independente, apartidária e com representatividade da sociedade civil, como condição indispensável para garantir a credibilidade dos processos eleitorais e a estabilidade institucional do país.
“Persistir neste modelo de gestão eleitoral é comprometer o futuro da democracia angolana e minar a confiança dos cidadãos no sistema político”, adverte o comunicado.
Revisão histórica e reconciliação nacional
Num dos trechos mais simbólicos e sensíveis do documento, a UNITA denuncia a exclusão de oficiais das ex-FALA — braço militar da UNITA durante o conflito armado — da lista de condecorações militares no quadro das comemorações da Independência. Segundo o partido, a lista está “povoada por altas patentes das ex-FAPLA, algumas das quais nunca integraram as FAA”, o que revela, segundo a UNITA, uma reconciliação nacional ainda frágil, seletiva e incompleta.
Para o partido fundado por Jonas Savimbi, esta exclusão não é apenas um gesto administrativo: ela reflete a permanência de uma narrativa histórica desequilibrada e politicamente dirigida, que nega o contributo de uma parte significativa dos protagonistas da luta pela soberania nacional.
A UNITA deixa claro que não aceitará participar de um processo de celebração nacional que desrespeite a memória e o papel histórico dos seus próprios fundadores. “Enquanto Holden Roberto, António Agostinho Neto e Jonas Malheiro Savimbi não forem igualmente reconhecidos como figuras centrais da luta pela Independência, os dirigentes da UNITA reservam-se o direito de não pactuar com condecorações seletivas e discriminatórias”, afirmou o partido.
Chamado ao diálogo e à reforma estrutura
Apesar das duras críticas, a UNITA sublinha que está consciente dos desafios estruturais que o país enfrenta, desde a fragilidade do tecido económico até à erosão das instituições públicas. No entanto, acusa o Governo de preferir “a imposição unilateral de medidas” e de ignorar propostas da oposição, da sociedade civil, dos operadores económicos, das igrejas e das comunidades.
Para o partido, o caminho para o progresso passa pela construção de consensos amplos, por reformas profundas e pelo respeito integral aos princípios republicanos. “Sem escuta, sem inclusão e sem justiça, não haverá reconciliação verdadeira, nem democracia duradoura”, conclui o comunicado.