Mais de 50 por cento das obras públicas na província de Malanje se encontram paralisadas e inacabadas, lança sérias dúvidas sobre a eficácia da programação, execução e fiscalização do investimento público em Angola, expondo a fragilidades na gestão da coisa pública e a má governação.
O cenário, foi discutido recentemente na reunião de avaliação governamental, reflectindo não apenas atrasos pontuais, mas um padrão recorrente de descontinuidade de projectos que compromete o acesso da população a serviços essenciais e minndo a confiança nos processos de desenvolvimento local.
Entre as principais preocupações levantadas esteve o elevado número de empreitadas com execução física abaixo dos 50 por cento, situação que obrigou o Executivo a equacionar a reorientação de recursos financeiros para priorizar projectos com estágio mais avançado, nomeadamente aqueles que atingem cerca de 70 por cento de execução. A medida, embora pragmática do ponto de vista orçamental, é também reveladora de falhas estruturais no planeamento inicial, na selecção de empreiteiros e no acompanhamento técnico das obras, factores que frequentemente resultam em contratos celebrados sem garantias suficientes de capacidade financeira e operacional para a sua conclusão.
Casos emblemáticos dessa paralisação incluem o Depósito Provincial de Medicamentos, fundamental para a cadeia de abastecimento do sector da saúde, a Casa da Juventude, concebida como espaço de promoção da formação e cidadania dos jovens, o projecto de Desassoriamento do Rio Malanje, crucial para a prevenção de cheias, além das escolas “Amílcar Cabral” e “Comandante Gika”, cujas interrupções comprometem directamente a expansão da rede escolar numa província marcada por elevados índices de crescimento demográfico. O Projecto dos 212 Fogos Habitacionais, voltado para a redução do défice de habitação, é igualmente exemplo da frustração de expectativas de centenas de famílias que aguardam soluções há vários anos.
Ao todo, estão em causa cerca de 45 projectos de âmbito central e local que abrangem áreas estratégicas como educação, saúde, transportes, energia, água e saneamento. Sectores que deveriam funcionar como pilares do desenvolvimento económico e social permanecem reféns de atrasos administrativos, escassez de financiamentos regulares, alterações sucessivas de empreiteiros e, em muitos casos, de alegadas inconformidades contratuais que acabam por conduzir à suspensão das obras.
A visita da delegação composta pelos secretários de Estado da Educação para o Ensino Pré-Escolar e Ensino Primário, Pacheco Francisco; da Saúde, Carlos Pinto de Sousa; das Obras Públicas, Molares D’Abril; e das Águas, António Belsa da Costa, serviu não apenas para o levantamento técnico da situação, mas também para avaliar o impacto da nova Divisão Político-Administrativa na gestão das obras. A reorganização territorial, embora necessária para modernizar a governação, tem gerado desafios adicionais, sobretudo na redefinição de competências, transferência de responsabilidades e harmonização de orçamentos entre os novos entes administrativos, criando períodos de indefinição que acabam por afectar a continuidade dos projectos.
Analistas do sector das obras públicas defendem que o problema da paralisação de empreitadas em Malanje reflecte um quadro nacional mais amplo, em que o modelo de adjudicação baseado quase exclusivamente no critério do preço mais baixo tende a favorecer empresas sem solidez financeira ou capacidade técnica adequada. Soma-se a isso a fragilidade dos mecanismos de fiscalização, quer por limitações de recursos humanos especializados, quer por insuficiência de instrumentos de controlo permanente no terreno.
A consequência directa desse cenário é sentida pela população, que continua privada de infra-estruturas básicas, enfrenta maiores deslocações para ter acesso a serviços de saúde, vê crianças estudarem em salas improvisadas e convive com problemas crónicos de fornecimento de água e energia. Para muitos cidadãos, as obras paradas tornaram-se símbolos de promessas incumpridas e de um desenvolvimento que tarda em chegar.
Especialistas apontam ainda que a priorização exclusiva das obras com execução mais avançada, embora compreensível para evitar desperdício de recursos já aplicados, não resolve o problema estrutural da elevada taxa de abandono de projectos. Alertam que, sem reformas profundas na gestão do ciclo de investimento — desde o planeamento até à fiscalização pós-contratual, o risco é que novas obras entrem no mesmo ciclo de interrupções e atrasos.
Diante deste quadro, ganha força o apelo à transparência na divulgação do estado real das empreitadas, à responsabilização de entidades públicas e privadas envolvidas em incumprimentos contratuais e ao reforço da supervisão técnica independente. Medidas consideradas essenciais para restaurar a credibilidade do investimento público e assegurar que os recursos do Estado sejam efectivamente convertidos em benefícios sociais concretos para a população de Malanje e do país em geral.




