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Caso AGT: expõe falhas profundas na investigação e na justiça angolana

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A audiência de instrução contraditória do caso que investiga alegadas fraudes no sistema informático de pagamentos da Administração Geral Tributária (AGT) revelou fragilidades profundas na acusação do Ministério Público e na actuação do poder judicial. Documentos e depoimentos a que o jornal O Secreto teve acesso expõem erros técnicos, contradições jurídicas e violações processuais que colocam em causa a credibilidade de todo o processo.

‎O ponto mais polémico é a discrepância entre os valores do suposto prejuízo ao Estado. O Ministério Público sustentou que a AGT teria sofrido um rombo de cem mil milhões de kwanzas. No entanto, em plena audiência, José Leiria, Presidente do Conselho de Administração da AGT, declarou sob juramento que as perdas reais não ultrapassaram seis mil milhões de kwanzas, dos quais cerca de três mil milhões já foram recuperados. A diferença de noventa e quatro mil milhões de kwanzas representa, segundo especialistas ouvidos pelo O Secreto,  Fabrício Kalunga Raimundo, “um erro de cálculo inaceitável num processo desta dimensão”, revelando falta de rigor técnico e contábil na construção da acusação. Apesar dessa demonstração, o juiz manteve o valor inicial no despacho de pronúncia, ignorando os esclarecimentos prestados em tribunal.

‎Outro ponto crítico prende-se à acusação de peculato. Parte dos arguidos não possui qualquer vínculo com a função pública, condição essencial para que esse crime exista juridicamente. A manutenção dessa tipificação, o juristas consultados pelo Secreto, alerta ainda, desta forma, “viola princípios básicos do Direito Penal” e coloca em causa a legalidade da própria acusação.

‎Durante a audiência, altos responsáveis do Ministério das Finanças, entre eles o Diretor Nacional do Tesouro e o Diretor da Unidade de Gestão da Dívida Pública, confirmaram que os acusados não tinham qualquer influência sobre os mecanismos de pagamento de dívidas públicas. Esclareceram ainda que as operações de cessão de créditos entre empresas privadas não causaram danos ao erário, pois os pagamentos foram realizados em contrapartida de serviços realmente prestados.

‎No campo técnico, a investigação do Ministério Público revelou falhas estruturais. O Diretor do Gabinete de Tecnologias de Informação da AGT e o Diretor-Geral do SETIC, responsáveis diretos pelos sistemas informáticos que sustentam o processo de pagamentos, nunca foram ouvidos pelo Ministério Público, sendo interrogados apenas pelo SINSE. Essa omissão, segundo fontes internas ouvidas pelo O Secreto, compromete a imparcialidade e a profundidade da investigação.

‎A defesa denunciou também graves violações processuais, como detenções sem interrogatório prévio e a prisão de indivíduos que nem sequer constam na acusação. Tais irregularidades, segundo advogados do processo, “representam um atentado às garantias constitucionais e ao princípio do devido processo legal”.

‎Por outro lado, o defensor de direitos e Comprometidos com a verdade e a justiça, Fabrício Kalunga Raimundo, avança ainda que,  despacho de pronúncia, que deveria refletir uma análise crítica das provas e depoimentos colhidos durante a audiência, acabou por reproduzir quase integralmente a acusação do Ministério Público, desconsiderando documentos oficiais e testemunhos de autoridades técnicas. O contraditório, pilar essencial do sistema judicial, foi reduzido a uma formalidade sem efeito prático.

‎O caso AGT, inicialmente apresentado como um marco no combate à corrupção, tornou-se um espelho das fragilidades institucionais do país. Com números inflacionados, erros jurídicos e provas ignoradas, o processo passou a simbolizar não a força da justiça, mas a sua vulnerabilidade perante a pressão política e a ausência de rigor. Cem mil milhões de kwanzas de dúvida tornaram-se, assim, o retrato de um sistema que insiste em repetir versões, mesmo quando a verdade está claramente diante dos olhos.

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