Entre os dias 13 e 16 de junho, os bairros da Paz, Jacinto Chipa, Estalagem e Km-14, no município de Viana, foram palco de uma das mais amplas operações policiais dos últimos meses. Batizada de “Ngondo Escape”, a ofensiva do Comando Municipal de Viana culminou na detenção de 65 suspeitos acusados de envolvimento em crimes que vão desde abusos sexuais contra menores, roubos qualificados, assaltos à mão armada, até execuções de mandados judiciais pendentes.
A operação, que teve seu saldo apresentado publicamente nesta quarta-feira (18), ocorreu num contexto social marcado pela escalada da criminalidade urbana, aumento da circulação de drogas ilícitas e uma crescente sensação de medo entre os moradores dos bairros periféricos de Luanda. O bairro Km-14, em particular, tem sido apontado como epicentro de violência e insegurança, com diversas ocorrências registradas apenas nos primeiros meses deste ano.
“Estamos a falar de uma zona em tensão permanente, onde o crime passou a fazer parte da rotina. O objetivo desta operação foi interromper esse ciclo e enviar um sinal claro de que a Polícia está presente”, afirmou o superintendente-chefe Nestor Goubel, porta-voz da Polícia Nacional em Luanda.
Jovens no Crime: Realidade de Desespero e Falta de Perspectivas
Entre os detidos, a maioria tem idades compreendidas entre 17 e 38 anos, o que revela o envolvimento cada vez mais precoce de jovens na criminalidade. Especialistas em sociologia e segurança pública apontam que a ausência de oportunidades concretas de emprego, educação precária e a fragilidade da estrutura familiar têm contribuído para o aliciamento de jovens por grupos delinquentes organizados.
A Polícia anunciou a detenção de quatro integrantes do grupo BFG, uma célula de marginais conhecidos por aterrorizar bairros através de rixas urbanas, assaltos e tráfico de armas leves. “São indivíduos com histórico de violência, altamente perigosos e estrategicamente organizados. O desmantelamento parcial deste grupo representa um passo importante para conter o alastramento do crime organizado nas zonas periféricas”, destacou Goubel.
Violência Sexual: O Silêncio Dentro das Famílias
Entre os crimes mais chocantes revelados durante a operação, estão os casos de abuso sexual contra menores, muitos deles cometidos dentro dos próprios lares. Segundo o porta-voz da Polícia, em grande parte dos casos os agressores eram familiares diretos ou indivíduos com algum grau de autoridade dentro da casa das vítimas.
“São crimes cometidos no silêncio, muitas vezes protegidos pela vergonha ou medo de represálias. Temos que enfrentar este mal com firmeza e quebrar a cultura do silêncio que protege os agressores”, disse Goubel
Organizações de defesa dos direitos humanos em Luanda têm solicitado maior articulação entre a Polícia Nacional, escolas, igrejas e unidades de saúde para criar mecanismos de denúncia mais acessíveis e seguros para vítimas de violência sexual.
Roubos e Drogas: Um Ciclo que Alimenta o Medo
Outro foco da operação foram os roubos por esticão, modalidade criminosa praticada por jovens, geralmente sob efeito de drogas, que atuam sozinhos ou em pequenos grupos. Os crimes, segundo a Polícia, estão ligados a gangues de rua com conexões ao micro tráfico de drogas. “A presença crescente de estupefacientes nestes bairros está por trás de boa parte da violência. Muitos jovens roubam para sustentar o vício, tornando-se facilmente manipuláveis por criminosos mais experientes”, acrescentou o oficial.
Apreensões Impressionantes: Armas, Televisores, Viaturas e Materiais de Construção
Além das detenções, a operação resultou na apreensão de um grande volume de bens, muitos dos quais já foram identificados como fruto de roubo. Foram encontrados:
54 caixas de mosaicos
6 armas de fogo e 5 carregadores
3 viaturas
4 televisores plasma
3 computadores portáteis
4 botijas de gás
2 aparelhos de ar condicionado
2 alicates de corte
2 boxs da ZAP
5 estonsadores
5 telemóveis
Alguns dos itens — como os televisores e viaturas, já foram restituídos às vítimas, graças a denúncias e registros de ocorrência anteriores.
Política Pública e Segurança Cidadã
Embora a operação Ngondo Escape tenha sido recebida com alívio por parte da população local, analistas apontam que ações repressivas, embora necessárias, não podem ser a única resposta à criminalidade. É urgente que o poder público avance em políticas sociais que atinjam a raiz do problema: desemprego, abandono escolar, urbanização desordenada e ausência de espaços culturais e esportivos nas periferias.
“A segurança pública não se faz apenas com prisões. É preciso prevenir o crime com oportunidades, principalmente para os jovens. Caso contrário, o problema apenas muda de bairro, mas não desaparece”, afirmou a socióloga Cátia Afonso, em entrevista ao Jornal ” O Secreto.
Próximos Passos
A Polícia Nacional garantiu que a operação terá novas fases e que os bairros identificados como críticos continuarão sob vigilância reforçada. Entretanto, os moradores esperam que as ações sejam acompanhadas de investimentos sociais concretos que devolvam dignidade e esperança às comunidades.
Enquanto isso, a pergunta que ecoa nos becos do Km-14 e nas ruas de Jacinto Chipa é: a paz chegou para ficar, ou é apenas mais uma trégua temporária?