LUANDA (O SECRETO) – A continuidade do exercício de funções por parte dos membros da Entidade Reguladora da Comunicação Social de Angola, ERCA, apesar do mandato expirado desde 2022, foi alvo de intenso debate no programa A Voz do Jornalista, transmitido pela Rádio Ecclésia, recentemente, com participação dos jornalistas Teixeira Cândido e Reginaldo Silva, do Secretário-geral do Sindicato dos Jornalistas Angolanos, Pedro Miguel, e do jurista António Ventura.
O debate centrou-se na legalidade e legitimidade das decisões tomadas pela ERCA após o término formal do mandato dos seus membros, e na inação da Assembleia Nacional, responsável pela nomeação dos novos representantes.
Liberdade de Imprensa em causa
A discussão iniciou com uma nota crítica de Teixeira Cândido, que classificou como “violação da liberdade de imprensa” recentes impedimentos à cobertura jornalística em tribunais, contrariando, segundo ele, os artigos 40.º e 44.º da Constituição da República de Angola e a própria Lei de Imprensa, o jurista António Ventura corroborou, frisando que “a liberdade de imprensa não deve estar sujeita a qualquer tipo de censura prévia” e que a exclusão dos jornalistas em certos julgamentos configura “abuso de autoridade”, quando não justificada por razões processuais específicas.
De acordo com a Lei n.º 2/17, de 23 de janeiro, a ERCA é uma entidade administrativa independente, com mandato de cinco anos, vocacionada para garantir o pluralismo e a liberdade de expressão na comunicação social angolana. Os membros atuais tomaram posse em 2017 e, segundo o ex-bastonário da Ordem dos Advogados, Dr. Luís Monteiro, o mandato expirou formalmente há mais de dois anos.
Apesar de a lei prever a continuidade das funções dos membros até à nomeação dos sucessores, vários participantes levantaram preocupações quanto à legitimidade desta extensão indefinida. Pedro Miguel, secretário-geral do sindicato, sublinhou que “do ponto de vista legal pode estar dentro da norma, mas perdeu legitimidade”.
Assembleia Nacional no centro da contra
O silêncio da Assembleia Nacional, e em particular da sua presidente, foi severamente criticado por Reginaldo Silva, que relembrou ter enviado uma carta em 2020 alertando para o fim iminente do mandato da ERCA. “A presidente da Assembleia tem responsabilidade direta. Há omissão e isso compromete o regular funcionamento das instituições”, afirmou.
Silva também destacou o desfasamento entre a atual composição da ERCA e os resultados das eleições legislativas de 2022. “Temos um órgão regulador cuja constituição já não reflete a legitimidade democrática atual. A Casa-CE, que deixou de ter assento parlamentar, ainda tem um representante, e há lugares vagos sem reposição”, lamentou.
Actividades fora do âmbito e pressão institucional
Entre outras críticas levantadas, destacaram-se as denúncias de que a ERCA tem realizado atividades consideradas fora do seu escopo legal, como formações e eventos de divulgação que, segundo os intervenientes, desvirtuam o seu papel regulador. “A ERCA caiu na legitimidade, e os seus atos devem ser questionados. Há uma erosão institucional visível”, alertou Pedro Miguel.
O jurista António Ventura recordou que qualquer cidadão ou organização pode exercer o direito de denúncia, petição ou queixa contra a ERCA, e que o Tribunal de Contas e os tribunais comuns podem intervir no controlo judicial das suas ações.
Renovação ou reforma?
Por fim, levantou-se a possibilidade de uma nova lei vir a reformular a própria configuração da ERCA, embora os participantes alertem que isso não deve servir de pretexto para o adiamento da renovação do mandato. “O que está em causa é a reposição da legalidade e do Estado democrático de direito”, frisou Reginaldo Silva.
Os participantes concordaram na necessidade de uma mobilização cívica e institucional para pressionar o Parlamento e demais entidades envolvidas a cumprir a lei. “A liberdade de imprensa e o pluralismo não podem ser protegidos por uma entidade cuja legitimidade democrática está esgotada”, concluiu o painel.
Fica, assim, o apelo à urgência de ação institucional, num momento em que a regulação da comunicação social em Angola enfrenta uma das suas mais graves crises de legitimidade.